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2004-08-24

 

Relativizando as Ideias (VII)

Meu caro João Tunes

Acho que é uma boa postura de vida a pessoa poder dizer o que pensa, pensando, amadurecendo as muitas e múltiplas incertezas, colhendo informação sobre a complexidade dos problemas, indo ao encontro da não cabal explicação para certos fenómenos vividos e sentidos nas sociedades. E os posts da minha passagem por Luanda, intitulados de uma forma um tanto bizarra “relativizando as ideias” tiveram apenas esse objectivo: dizer alto algo que me preocupa, algo que ainda não compreendi em toda a dimensão, algo que eventualmente não consigo fazer passar, ou talvez noutra linguagem, ir contra a corrente de “ideias comumente aceites”

Rejeito a “tese” niilista de que está tudo perdido. E sobre África, como dizia num dos post, existe muito essa ideia. Aqui. É a má governação, é o atraso, é o atraso cultural, é a pobreza, é a pouca transparência, é a desorçamentação da gestão pública, em alguns até a má consciência, tudo serve para “sustentar” as ideias.

Esta problemática, na minha óptica, é muito menos linear e muito mais abrangente. Não se trata de um grupo restrito a comandar o jogo do poder nas suas múltiplas facetas. Existe um grupo alargado, variável em dimensão de país para país, de que Angola não é excepção e, daí, a complexidade de todo o jogo.

Tentando ir um pouco ao teu encontro. Não sei, embora pense, que não andamos a ver países muito diferentes. Sinto dificuldades em separar, neste processo, a evolução africana, Angola, Moçambique, São Tomé, etc., a evolução da América Latina, etc., de todo um sistema que “se esboroou” a partir das transformações no Leste europeu, originando situações em termos de direitos humanos muito piores do que as que vigoram na dita sociedade ocidental, apontada como a sociedade a substituir. Não consigo separar a evolução em curso do processo do colonialismo com todo o seu impacte em termos de mentalidades dos povos. A tudo isto acresce, em alguns casos, onde há petróleo ou outros recursos naturais de monta, o jogo das multinacionais desses sectores e a sua inserção e peso na orientação da política mundial, sendo o jogo das petrolíferas o mais percebido, até pela sua importância e pelas crises cíclicas que têm sido desencadeadas e de maior visibilidade.

Daí alguma maior “contenção” da minha parte, até porque a institucionalização do Estado de direito está ainda em gestação e há que ver se tem pernas para andar.

Em minha opinião, a complexidade de tudo isto é tão ampla, tem tantas dimensões de análise que uma abordagem interdisciplinar e alargada a domínios como a Ciência Política, a Antropologia, a Sociologia, sem esquecer a História da Economia e a própria Economia se impõe para trazer mais luz a estes processos.

O princípio básico de que os países devem ser abertos ao escrutínio internacional é inquestionável com redobrado reforço para países que não têm um passado de vida política participada, para países em que a abertura para a democracia e a emergência da sociedade civil estão em lançamento, como é o caso africano.

Tendo por referência o que diz Stiglitz sobre esta matéria, é preciso ser prudente com a escolha dos “indicadores de benchmark” para a avaliação deste tipo de questões.

Daí que me parecem bem razoáveis os processos de escrutínio participados pelos próprios países africanos, através do tipo de coordenação aberta (peer-review) como apontam os objectivos e metas da Cimeira do Milénio promovida pelas Nações Unidas, porque constituem uma forma de medir o progresso realizado em várias áreas ligadas aos direitos fundamentais.

No caso de Angola, a guerra foi longa e devastadora, já houve a ruptura de sistema e de tipo de economia, embora se registe algum saudosismo de um passado, sem grande história, de economia centralizada, a nível de alguns quadros.

Sinto alguma confiança (penso que não cega) porque se notam alguns indícios e pessoas a pensar e a querer implementar os objectivos da Cimeira do Milénio.
Um abraço

Comments:
Um abraço aos Joões. Não me identifico por razões muito pragmáticas da vida. Sei bem quem vocês são e o trajecto algo diferente ou talvez diferenciado de cada um. Confratenizei com os dois em momentos e em áreas diferentes, mas no mesmo quadro. Acho o v/ confronto de ideias salutar e com elevação, o que em si é mto bom. talves das poucas coisas que ficam. Continuem assim. não transijam. Foi pena que em temp+os idos não tenha sido possível o confronto de ideias bem direccionado. mas não vale chover no molhado.

Acompanho os v/ dois blog e um abraço especial ao Raimundo

C. Pais (pseudónimo)
 
Excelente post. Põe o dedo na ferida mas aponta a medicamentação. OK.
D. Pontes
 
Um abraço ao João Abel de Freitas (de quem sou amigo) e a minha estima e consideração ao João Tunes. Um bom debate: genuíno, sentido e, dentro dos limites deste quadro, bem fundamentado.

Tal como o João Abel de Freitas, também não sou adepto dos escrutínios de tipo "top-down" e hierárquicos. Os mecanismos de tipo "peer review" permitem estimular o envolvimento e, portanto, o comprometimento dos países em vias de desenvolvimento. Temos que acreditar, quase com fé, que este é o caminho.

Os métodos hierárquicos de tipo "top-down" podem ser facilmente confundidos com o unilateralismo dos neoconservadores americanos que tanto têm influenciado Bush. E, talvez pior do que isso, têm um leve odor a neo-colonialismo requentado e serôdio. De uma forma estilizada, podem conduzir ao seguinte:

- "Nós" definimos o modelo: Estado de Direito do tipo Z, Sistema Político do tipo Y, Modelo Económico do tipo X, modelo de participação da sociedade civil de tipo W;

- A "Pretalhada" come e cala! E se não obedecerem, pedimos ao Bush que os ponha na ordem.

Eu sei que nenhum dos Joões se revê neste "approach". Com visões diferentes , é certo, estão a dar o seu contributo (sem paternalismos neo-coloniais) para que África seja um continente melhor!

Continuarei a seguir o vosso debate. Parabéns!
 
Caro João Abel, as ideias vão-se aclarando e julgo que interessa mais do que nunca (pela oficialização e entronização de certos olhares ideológicos sobre os países ex-colónias) que se forme uma corrente de opinião (plural como deve ser e tem de ser) que olhe com liberdade e o máximo rigor para esses jovens e dramáticos países. Já antes aqui botei faladura estendendo demais a manta. Chamaram-me a atenção, com toda a razão, que me estava aqui a albergar para lançar posts em vez de comentários. Este teu post deu-me matéria para reflectir e responder-te mas fi-lo no meu blogue para me estender mais à vontade. Mais uma vez, parabéns pela forma como trouxeste este tema para o centro da discussão saudável. Grande abraço. João Tunes / http://botaacima.blogs.sapo.pt
 
Sou moçambicano e, por isso, segui estes posts sobre a sua viagem a Angola, com redobrado interesse. Bem como a sua troca de ideias com o Bota Acima. E queria só dizer que, embora a sua argumentação e suas ideias sejam bem delineadas, não posso deixar de concordar com o que disse o Joao Tunes no seu Bota Acima. De facto, quando você diz que sente dificuldades em separar a evolução africana de todo um processo que se esboroou (mais ou menos neste termos), não posso deixar de concordar com o João Tunes e perguntar-lhe: "Sim, tem toda a razão, mas... e depois?! Os movimentos de libertação é que decidiram optar por essa via."
Ou seja, ninguém os obrigou a enveredar por esse caminho. Talvez seja verdade que essa foi a grande causa do estado actual dos países africanos de língua portuguesa, talvez seja verdade que essas políticas socialistas (particularmente em Moçambique, que é o meu país) é que ditaram a "queda livre" desses países. Mas acho que isso não jutifica nadica de nada. Bem pelo contrário! Essa foi uma opção desses movimentos de libertação... só e só isso! E, por mais condicionantes que houvessem na altura, que os empurrassem para tal decisão, continuo a achar que tratou-se de uma opção, e não de uma obrigação. Portanto, não serve como causa justificativa, ou desculpa do que quer que seja. um abraço moçambicano
 
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