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2005-04-29

 

A Invasão Chinesa (2)

Há tempos li num texto (redigido em 2003) sobre o modelo sueco de sociedade que comparava com a sociedade francesa, o seguinte: ..."Diferentemente da esquerda e de uma boa parte da direita francesas, que olham para a mundialização com suspeição, a social democracia sueca vê nela desde há mais de um século a oportunidade de fazer baixar o preço dos produtos correntes para a classe trabalhadora. A baixa das taxas alfandegárias era mesmo uma reivindicação do movimento operário há mais de um século".

O proletariado queria alimentar-se de forma mais barata, enquanto o patronato batia-se pela protecção do seu mercado doméstico, pelo que o patronato resistiu enquanto pode à introdução das regras da concorrência. Ainda, na última década do século XX, como refere um grande mestre da história económica sueco, Lundqvist, a indústria e o comércio suecos opunham-se à harmonização no mercado comum da política de concorrência.

Com a dita "invasão chinesa" do mercado dos têxteis mundial, está a ressurgir uma posição por parte de alguns países da UE e EUA, semelhante à do patronato sueco durante quase um século.

A situação é agora bem diferente, porque as armas são bem mais fracas. Existem regras (não vou discutir aqui o seu mérito) que, dificilmente, poderão ser ultrapassáveis. A entrada da China na OMC previu cláusulas de salvaguarda que poderão ser accionadas, mas que só adiam a questão por algum tempo (tecnicamente tenho dúvidas de que seja oportuno com tão pouca informação e sobretudo sem que as tendências de evolução sejam claras que se accionem esses mecanismos).

Como referi no último post sobre este tema, pouco há a fazer. Portugal é um dos países mais afectados por esta evolução porque não se preparou em tempo para enfrentar este desafio. Teve dinheiro, teve programas específicos. Faltou-lhe políticas certas e empresários e organizações empresariais à altura e, ao contrário do que é habitual até teve/tem sindicalistas como Manuel de Freitas, coordenador da Federação dos Sindicatos Têxteis do Norte, que como refere o DE de ontem pensa (e este seu pensamento não é de agora) que " a situação que se vive actualmente (em Portugal) era previsível e, por isso, teve fundos específicos para ajudar a transição. Ainda assim realça, temos em Portugal empresas com elevados níveis de produtividade e, ao lado, uma míríade de pequenas e média empresas sem qualquer contributo para a cadeia de valor".

Este governo pouco pode fazer, outros anteriores poderiam ter tidos políticas dinâmicas que "revolucionassem" esta situação. Mas demonstraram não ter capacidade. Jogavam mais no compromisso.

Muito do sector português irá ser destruído. Aquela míriade de empresas de que fala Manuel Freitas que nada acrescentam não faz falta. Trata-se de uma destruição positiva.

O governo deve estar muito atento e em cooperação com os parceiros sociais lançar medidas em várias frentes, desiganadamente em termos de políticas de desemprego, enquadrando-as num plano de fundo que é o de criar as condições de desenvolvimento na mudança da estrutura produtiva. Eis um domínio em que o Plano Tecnológico tem de actuar.


Comments:
A abertura de mercado dos têxteis foi um processo programado e progressivo para o qual as empresas portuguesas tiveram tempo e dinheiro para se prepararem. Neste momento, não me parece que haja nada a fazer. A desindustrialização é inevitável.
 
Uma parte significativa das empresas portuguesas foram capazes de se reposicionarem na cadeia de valor, adoptando estratégias de diferenciação do produto (produção flexível, pequenas séries, gama média-alta). Mas, sem marca, design deficiente e sem redes de distribuição internacional, as empresas portuguesas são incapazes de fazer reflectir essa melhoria da qualidade em aumentos dos preços.
 
Uma perspectiva possível, um pouco cínica é certo, é a de que, não sendo nós capazes de resolver os nossos problemas endógenamente, estes "choques exógenos" até dão um certo jeito para "ajudar" à reestruturação do nosso sector têxtil!
 
Não pode ignorar-se que existe concorrência desleal dos têxteis chineses. O "dumping social" chinês é uma realidade e vai continuar a sê-lo durante alguns anos!
 
Preocupa-me este desmoronar do nosso sector exportador tradicional sem, em alternativa, se vislumbrarem outras actividades que possam produzir bens transaccionáveis.
 
Ao mesmo tempo que vemos definhar os nossos "capitães" de indústria tradicionais, verdadeiros heróis da nossa inserção internacional (é verdade que pouco cosmopolistas e com uma visão limitada!), vemos emergir uma nova elite empresarial que tem crescido e engordado à custa da sua opção pelos sectores protegidos (banca, distribuição, utilities, etc.).
 
Estou particularmente de acordo com o autor do post quando afirma que "O governo deve estar muito atento e em cooperação com os parceiros sociais lançar medidas em várias frentes". Existem duas frentes óbvias: a reestruturação empresarial e as políticas sociais. Não se pode é proceder como até aqui. Utilizar políticas de competitividade para resolver problemas sociais.
 
"Muito do sector português irá ser destruído. Aquela míriade de empresas de que fala Manuel Freitas que nada acrescentam não faz falta. Trata-se de uma destruição positiva". Assino por baixo! No entanto, é preciso não esquecer que se trata de um problema social de grande dimensão, mesmo ao nível nacional, e com elevadíssimo impacto ao nível local nas regiões em que o têxtil tem grande implantação.
 
E não são só as empresas têxteis que vão falir. Também se estão a perder muitos postos de trabalho na construção civil, e muitos mais ainda se perderão. É inevitável, uma vez que o setor da construção civil está altamente inflacionado em Portugal.

Este desemprego extra é inevitável. Por isso não compreendo alguns partidos de esquerda que, durante os últimos anos, se mostraram muito escandalizados com o aumento do desemprego, e exigiram medidas para diminuir o desemprego. Um aumento do desemprego é, de facto, inevitável a curto prazo.
 
Ao contrário do que aconteceu em Espanha, não conseguimos perceber (esquerdas e direitas!) que, para que Portugal desse um salto qualitativo, era necessário exitir uma dinâmica de reestruturação industrial. Em vez disso fomos despesistas e mantivemos um nível de desemprego excessivamente baixo (a rondar a taxa natural de desemprego). A manutenção deste duplo desequilíbrio foi completamente dramático e terá conseuências imprevisíveis!
 
Pois é! E agora vamos ser vítimas de um processo de reestruturação inevitável mas que não foi antecipado! De alguma maneira, iremos ser observadores passivos de um processo que nos vai penalizar (de certeza!) no curto prazo e que terá consequências imprevisíveis a médio prazo. Para além disso, é preciso realçar que não se tratou de um choque exógeno imprevisível. Trata-se de qualquer coisa que sabemos, desde há muito, que seria inevitável! Só, mesmo, nós!
 
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