2006-08-30
O ADN à esquerda, a raposa e as galinhas
Maquete do ADN
Como a troca de pontos de vista com Vital Moreira -- sequencialmente, [1], [2], [3], [4] e [5], -- tende a descontextualizar-se por via do sábio doseamento de “modalizadores” discursivos (os sublinhados são meus):
«(ii) que mais vale ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum; (iii) que é mais importante proporcionar mais empregos para quem os não tem do que aumentar substancialmente os salários de quem já os tem.»
terei de alvitrar, respeitosamente, que o meu ADN (político-social) apresenta dois alelos (um crítico, o outro distributivo) que me conferem uma especial sensibilidade face às manifestações aparentemente mais generosas, sempre que está implicado o cálculo económico.
«(ii) que mais vale ter um emprego menos bem remunerado do que não ter emprego nenhum; (iii) que é mais importante proporcionar mais empregos para quem os não tem do que aumentar substancialmente os salários de quem já os tem.»
terei de alvitrar, respeitosamente, que o meu ADN (político-social) apresenta dois alelos (um crítico, o outro distributivo) que me conferem uma especial sensibilidade face às manifestações aparentemente mais generosas, sempre que está implicado o cálculo económico.
Se os mais deserdados tivessem o poder de assegurar novo emprego ou a manutenção do que à data detêm, por essa via, -- escolher entre um “menos bem remunerado” e “nenhum” -- daria razão a Vital Moreira, com muito prazer e a admiração do costume; se a desistência ou a moderação de certas reivindicações, -- mais emprego em troca de aumentos menos “substanciais” -- eventualmente negociados em sede de concertação social, abrissem caminho à contratação de desempregados, render-me-ia aos seus argumentos sem pinta de hesitação.
Acontece, porém, que a “nossa” economia não se rege por esses piedosos ideais. A lógica que preside aos investimentos não permite perguntar aos pré-despedidos se se disporiam a ficar, ganhando menos.
Não.
Os despedimentos (por deslocalização, downsizing, reestruturação, falência ou porque sim) não são evitáveis ainda que, por absurdo, uma cooperativa de perdição ajoelhasse, aceitando cortes nas remunerações, e pedindo, solitária e solidariamente, a salvação do conjunto dos postos de trabalho.
A arquitectura financeira dessas operações serpenteia planificadamente no médio prazo, e não incorpora a expressão dos interesses dos trabalhadores.
O esquema traçado pela inexorável mãozinha invisível determina apenas que se lhes dê emprego quando tal se justifica e depois, quando já não fizerem falta, andor!
Acompanho, é claro, Vital Moreira, em muitas das causas que defende, e em numerosos pontos de vista pelos quais se bate.
Porém, acusar os que trabalham de excesso reivindicativo, e culpar os que estão empregados pelo infortúnio dos desempregados, não passa, no meu pensamento, sem uma forte reacção.
Olhados mais de perto e com maior atenção, que têm de novo aquelas duas formulações de Vital Moreira?
No primeiro caso, uma adjectivação eufemística: “menos bem” onde se poderia ler “pior”; no segundo caso, um advérbio de modo apontando para um critério vago: “substancialmente”.
Se retirarmos a prudente adjectivação, o que resta?
A crueldade de um apelo que se bamboleia desde o século XIX de ideologia em ideologia:
Melhor um emprego mal pago do que nenhum; melhor ganhar menos e “garantir” emprego aos que o não têm…
Estes ditos fazem-me sempre lembrar os conselhos da alegórica raposa à fabulosa galinha. Uma enche a barriga e passa adiante; a outra, anda a espalhar as suas penas pelas cinco partidas.
Vital Moreira não deixa de ter razão quando humoriza com a genética.
Deve ser do ADN.
Adenda (em 31 de Agosto de 2006)
A partir do momento em que Vital Moreira se dispensou de discutir em torno de ideias e preferiu a simplificação fantasmática de atribuir ao interlocutor propósitos “velados” que eu abomino (na forma e no conteúdo) -- ler, no Causa Nossa o seu post intitulado Origem de classe -- dou por terminada, pela minha parte, a série de observações que a sua posição relativamente à proposta de actualização do Salário Mínimo Nacional me mereceu.
Foi ele que introduziu o chiste do ADN. Limitei-me a recordar que o diferencial que parece haver nos patrimónios genéticos das raposas e das galinhas (por analogia, de empregadores e empregados) também poderá ter a sua potência explicativa.
As nossas “origens de classe” não estiveram em questão, nem ajudariam, presumo, a compreender a admiração que continuo a ter por ele, nem a displicência com que ele entendeu tratar o assunto.
Comments:
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O Vital Moreira deu-me um argumento fantastico para falar com os patrões da minha mulher, que tem emprego, sugerir que reduza ao salário da pobre e que dê qualquer coisa para eu fazer, que estou desempregado, nem que seja a varrer a soleira da portaria!
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