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2007-08-23

 

Cantigas de Amigo

O primeiro testemunho literário da língua portuguesa (mais propriamente galego-portuguesa) surge no fim do séc. XII com uma poesia de João Soares de Paiva. A poesia precede assim as outras manifestações literárias segundo alguns pelo carácter oral da sua transmissão.
"Do encontro dessa corrente provençalizante com a tradição folclórica recolhida e elaborada pelos jograis do Noroeste da Península, terá surgido a poesia galego-portuguesa, que desde os alvores do séc. XIII aparece documentada nas colecções a que chamamos Cancioneiros." (Ester de Lemos em A literatura medieval. A poesia. In História e Antologia da Literatura Portuguesa Séc. XIII-XIV Vol I Fundação Calouste Gulbenkian)
São três os Cancioneiros. O da Ajuda, por se encontrar no Palácio da Ajuda em Lisboa, indicado pela letra (A); o da Vaticana, por se encontrar na Biblioteca Vaticana, (V) e o Cancioneiro da Biblioteca Nacional (B).

Estes cancioneiros são compostos por três géneros diferentes de poesia: as cantigas de amor, as cantigas de amigo e as cantigas de escárnio e mal dizer. As cantigas de amor podem distinguir-se das cantigas de amigo de forma muito sintética e prática: "é cantiga de amor se fala «ele» é cantiga de amigo se fala «ela».
Nas cantigas de amigo quem se exprime é uma mulher é ela e fala do amigo, termo que tem o significado de namorado e nas cantigas de amor quem se exprime é o homem, é ele que fala da sua apaixonada, frequentemente amores ilícitos ou impossíveis.
A poesia que se segue é uma cantiga de amigo do "mais fecundo trovador dos nossos cancioneiros, o rei D. Dinis" (ibidem). Nesta poesia de D. Dinis quem fala é uma mulher que enaltece o amor que o seu namorado tem por ela. Por isso é uma cantiga de amigo.
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Pesar mi fez meu amigo,
amiga, mais sei eu que non
cuidou ele no seu coraçon
de mi pesar, ca vos digo
que ant' el querria morrer
ca mi sol un pesar fazer

Non cuidou que mi pesasse
do que fez, ca sei eu mui ben
que do que foi non fora ren;
por en sei, se én cuidasse,
que ant' el querria morrer
ca mi sol un pesar fazer


Feze o por encoberta,
ca sei que se fora matar
ante que min fazer pesar,
e por esto sõo certa
que ant' el querria morrer
ca mi sol un pesar fazer


ca de morrer ou de viver
sab' el ca x' é no meu poder

D. Dinis B 563 ff.125v.º126r.º ; V 166 f.22r.º

Aqui outra cantiga d'amigo do mesmo autor.


Comments:
Deixarei um dia destes um poema que poderá dialogar com o postado, escolho por agora um poema de Isabel Cristina Pires do seu livro Deserto Pintado,in Caminho.
OS FILHOS
Os filhos crescem . Desabrocham
com pinturas de guerra no olhar
são grãos de sal e de mar
num espelho de tormentas

São a terra cruel onde morreu
a àrvore cruel dos pais e dos avós.
mas não conhecemos as estrelas
que transportamconsigo estando sós . Vale a pena lê-la....
 
Cantiga de escárnio, de João
Soares Coelho cuja a actualização da língua se deve a Natália Correia. A disposição da última palvra pertence ao primeiro verso.

Está João Fernandes o mundo alterado
e modos já vejo dele se extinguir.
Vemos contra Roma levantar-se irado
O Imperador e os Tártaros vir
E até recompensas se atreve a pedir
ai, João Fernandes! o mundo cruzado

O que vejo agora, já profetizado
foi por dez e cinco,os sinais do fim.
Anda neste mundo tudo misturado:
faz-se peregrino o mouro ruim.
Ai, João Fernandes! fiai-vos em mim
que sei discorrer como homem letrado.

Vede: Se não fora o Anticristo nado
a ordem do mundo não se alteraria;
Não se fiaria o amo no criado
nem este a seu amo se confiaria;
E a Jerusalém mouro não iria,
ai,João Fernandes sem ser baptizado.

Caro Raimundo Narciso, vá postando escritos literários, poemas, pequenos textos, assim numa volta ao Puxa todos nós nos vamos lembrando, escrevendo e enriquecendo. Um poema leva-me sempre a outro, às vezes nem sempre à mão,mas vai-se procurando,como este do livro Cantares de Natália Correia Correia . Cordialmente
 
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