2007-08-24
Força de expressão (19)
Teve Vítor Dias a amabilidade de responder, no seu blogue O Tempo das Cerejas, a questões suscitadas no meu poste anterior “Força de expressão (18)”.
O seu novo poste tem por título "Nova resposta a Manuel Correia. Deduções ilegítimas e conclusões erradas". Encurtando razões, Vítor Dias acusa-me de sonegar aos leitores o contexto da entrevista. Qual quê? Pois não ofereci eu aos leitores os links para o podcast da entrevista, aconselhando-os a ouvirem-na, se possível na íntegra, dado o interesse que revestia?
Abstenho-me, pois, das maçadas dos "dizes" e "desdizes" que a sua resposta comporta, rumo ao essencial.
Continuo a aconselhar as leitoras e os leitores interessados a ouvirem a entrevista. [link para o podcast do programa Antena 1 [aqui ou ali] ] Não para os castigar com caprichos de tira-teimas, mas, sobretudo, porque se trata de um bom momento de rádio, em que o entrevistado reflecte, entre outros temas, sobre alguns aspectos controversos da blogosfera.
Quem se der a esse trabalho, ouvirá, aos 40 minutos [40m 20s] da referida entrevista, a seguinte passagem:
“VD: (...) a verdade é que as principais respostas políticas de que estes livros precisam estão feitas; estão feitas nos documentos dos congressos, nos documentos que o PCP publicou a respeito destas questões.
PRL: Mas isso é a visão do Partido, o olhar institucional, digamos assim. O olhar individual tem uma riqueza completamente diferente...
VD: Sim. Mas, por mim, creio que isso teria aspectos muito negativos a que muitos de nós nos dispomos a chegar ao fim dos nossos dias sem imitar certo tipo de...
Eu, há coisas que não contarei. Não contarei!
Ou seja: poderia escrever imensas coisas sobre o Raimundo Narciso, ou sobre bastidores, ou sobre Zita Seabra; contar imensas coisas. Mas não descerei; quer dizer: há níveis a que não descerei. E, quando intervenho nestas matérias, procuro fixar-me nas questões de natureza política, e não tanto estar a contar novidades, embora, às vezes apeteça (...)
Depois, já perto do final, [43m55s] Pedro Rolo Duarte pergunta
PRL: Até que ponto é que podemos esperar, a partir de um blogue destes [está a referir-se a O Tempo das Cerejas], um dia, termos as suas memórias, ainda que não sejam umas memórias que desçam ao nível que acha que é pouco..., que é menos correcto?
E Vítor Dias responde:
VD: Não. Creio que nunca irei por aí. Além do mais porque não fiz uma coisa que algumas destas pessoas, visivelmente, fizeram... - ou por método, - que é que os leitores destes livros nunca se aperceberão, mas estes livros só podem ser escritos por pessoas que guardaram muitos papeis e guardaram muitos apontamentos; ou seja e eu...
PRL: ...não.
VD: ...guardei papeis tanto que, quando abandonei o meu gabinete, na Soeiro Pereira Gomes, demorei quase um mês a rasgar papeis e a seleccionar papeis, mas não guardei deste tipo de notas, de cada reunião, de cada coisa. (...) E estes elementos são muito importantes para quem tem a pretensão de fazer relatos de natureza cronológica.
Ora quando se refere o óbvio -- que os apontamentos são auxiliares da memória e é necessário guardá-los para qualquer coisa -- com a ênfase e o tom patentes no registo desta entrevista, não é apenas (no caso de Vítor Dias não é certamente) por mero tique pleonástico.
Ironizando um pouco, poder-se-ia dizer que os lápis servem para escrever, as borrachas para apagar e, claro, se não os guardarmos, de nada nos servirão no futuro. Com a estranha valorização de tais minudências, sinaliza-se implicitamente algo que vai para além dessa mania redundante de arrombar portas abertas.
Pareceu-me, no contexto do PCP, em que o memorialismo é tradicionalmente menorizado, quando não estigmatizado, que Vítor Dias estava a invocar, ao lado do que expressa e redundantemente afirmou -- que não desejava escrever memórias e que não quis guardar ou, mesmo, anotar o que foi dito em dadas reuniões -- a regra informal dominante.
Vítor Dias interpretou diferentemente as suas próprias palavras.
As leitoras e os leitores interessados que façam os seus julgamentos.
Para mim, ficou claro.
Merece compaixão. Continua infatigável a cruzada contra os infiéis como se continuasse a acreditar no Deus em que não pode ter deixado de crer há muito. Como aliás, ao que dizem amigos meus próximos dessa igreja, muitas das actuais figuras de topo do PC. A menos que a fé lhe tolde completamente a inteligência.
Lucifer da Silva.
O Raimundo Narciso e depois a Zita Seabra é que dão tiro de partida com os seus livros e depois o Vítor Dias é que é bilioso e está envolvido numa «cruzada contra os infiéis».
Então, e os livros esses já não têm bilis nenhuma e já não são «cruzada» contra «os fiéis» ?
Enfim, é o costume, dois pesos e duas medidas.
Eu, por mim, para além da natural diferença entre um post pensado e escrito e um discurso oral de improviso numa entrevista, não vejo nenhuma contradição entre o «post» do Dias e as citações que MC faz da entrevista dele.
De fora, o que me parece é que o M. Correia dá grande importância ao «enredo» e à «petit histoire» e o V. Dias está concentrado nas questões políticas e ideológicas de fundo que, sem dúvida, in illo tempore, foram objecto de intenso debate.
Entretanto, pelo meio destas polémicas, ninguém dá é resposta à grande questão que vi levantar num comentário colocado num blogue qualquer.
Essa questão não é saber se quando entraram em dissidência R.N e companheiros já tinham ou não uma atracção pelo PS para onde foram.
Essa questão é sim saber se as suas ideias tivessem feito vencimento e se tivessem sido eles a passar a dirigir o PCP, como é que se furtavam, no exercicio dos seus cargos, à evolução ideológica que vieram a ter e que não pode ser explicada só por razões de zanga ou irritação.E que consequências teria tido para o PCP ser dirigido por pessoas atingidas por uma acentuada mudança no seu pensamento e concepções.
No meu modesto entendimento,é a continuada falta de resposta a esta questão que dá credibilidade à ideia e ao sentimento de muitos comunistas de que, vendo para onde foram, bem se percebe para onde queriam levar o PCP.
As pessoas guardam todos os papeis, mas mesmo todos, apenas por feitio, como outros contam os candeiros da rua e os ladrilhos do chão. São tiques de personalidade que uns têm e outros não.
Eu não guardo nada. Não tenho practicamente fotografias antigas onde eu esteja, não tenho apontamentos, não tenho alguns discos em que cantei... uma desgraça!...
Ah, e também não tenho ideia de ter alguma vez ouvido ou lido o Vitor Dias a dizer que a D. Zita Seabra ou o Raimundo Narciso tenham, durante tantos anos de militância no PCP, guardado apontamentos de propósito, não fosse dar-se o caso de no futuro algum deles decidir "dissidir".
No caso da D. Zita, seria hilariante pensar nisso, já que quereria dizer que ela teria passado horas em algumas reuniões a tomar apontamentos sobre coisas que não se estavam a passar com pessoas que não estavam presentes... Twilight Zone!...
Mas como já disse quando comecei (há uma eternidade) quero ficar equidistante NESTA discussão. Tenho muitos amigos que saíram do PCP (como eu), há muitos anos, sem estados de alma para com a esmagadora maioria dos que lá permanecem "todos comunistas con el favor de mi Dios, Si!", para citar a grande Violeta Parra.
Abraço.
Sou um leitor atento do Vítor, e julgo comungar com ele de muitas perspectivas e causas. É aliás um dos dirigentes do PCP que mais escreveu e publicou. Incontornável, por isso e, é claro, também pela qualidade dos escritos.
Como devem imaginar, isso não me inibe de tornar algumas das suas posições, atitudes e comentários, objecto de discussão. Por enquanto, na blogosfera, ainda se pode ir fazendo isso...
Quanto à cultura política do nivelamento colectivizador, identificada assim ou de outro modo, creio que quem tenha tido alguma experiência militante, a reconhecerá com facilidade. A tailorização funcional do PCP é por demais conhecida. Vítor Dias não fez mais, neste aspecto, do que se solidarizar com a repulsa orgânica, em abstracto. Em concreto, dou-lhe razão nas apreciações que faz quanto à falta de densidade teórica de alguns trabalhos publicados.
Não sei se seria de esperar de um Partido que se recusou durante décadas a editar um órgão teórico, a emergência de muitos dirigentes mais habilitados do que os que tivemos, tenham ou não enveredado pelos labirintos da dissidência.
Quanto aos discos que faltam ao Samuel: Diz quais são. Quem sabe se tenho algum no sótão?...
Um abraço
em geral, estou de acordo com o que diz. Tb, a meu ver, podemos discutir e trocar impressões sem nos "pisarmos uns aos outros". Aliás, seria o ideal. Seguindo o seu raciocínio, diria que os que ficaram não são piores do que os que saíram. Suponho que alguns até serão melhores. Ficar e partir tem mais do que uma volta. Desejo, como deve depreender do que tenho escrito, o maior sucesso para os que continuam à esquerda, e boa saúde aos que, de boa ou má fé, descambaram para a direita. Há cá lugar para todos. Não se surpreenda, por favor, com as diferentes opiniões, as discussões e as divergências. Cá na nossa aldeia isto é assim mesmo.
Cordiais saudações.
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Cara Manhã Clara,
Obrigado pelo convite. Devo confessar-lhe que passo por lá frequentemente.
; )
Se bem me lembro, escrevi que ficava sinceramente muito feliz por saber que o Manuel não pertence ao rol dos que desistiram de mudar a vida. Depois, pedi-lhe desculpa pela injusta generalização, que não passou, pelos vistos, de uma "traquinice (não) intelectual compulsiva".
Pronto. E agora despeço-me com um sorriso nos lábios.
Curiosa afirmação....
Um administrador! Seguidamente, estados de alma!
Curiosa afirmação....
Um administrador! Seguidamente, estados de alma!
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