2009-03-12
A "depressão" de Medina Carreira
Nos anos 80, mal Sarsfield Cabral aparecia no écran da televisão, leia-se RTP, já a minha mãe dizia em voz alta para toda a família:
" Lá vão os preços aumentar outra vez...".
Esta analogia entre Sarsfield Cabral e a inflação ficou-me na memória.
Isto vem a propósito de uma outra história bem mais recente.
Andei uns dias fora da ilha mas logo que aterrei e me estendi no sofá com o telecomando na mão, fazendo zapping à crise, assustei-me. Não há nada a fazer por este Portugal. Ninguém presta. Nada do que se faz tem um pingo de mérito.
Comecei a ficar angustiada. A depressão do professor Medina Carreira, ex-Ministro das Finanças, com currículo na área das finanças públicas, fiscalidade e direito societário, estava a contagiar-me.
Mário Crespo bem tentava um sinal de esperança, qualquer coisa que valesse a pena, que justificasse viver neste país...mas não. Nada. Não sei como é que o Professor Medina Carreira aguenta. Admiro-o.
Mas por muito que puxe pelo Teco e o Neco - dois neurónios formatados para estas discussões - não consigo lembrar-me do que fez Medina Carreira enquanto ministro das finanças. Peço desculpa pela ignorância mas.....(grande pausa) será que foi no tempo em que a minha mãe dizia "lá vão os preços subir outra vez?".
Não sei. Nem quero saber.
Mas dormi muito mal nessa noite. Tive pesadelos com os olhos cerrados do Professor. Com a folha A4 de dados estatísticos a vermelho que arrastam a nossa economia para parâmetros de 1900, tempo reais, vésperas da I República.
Cada vez mais agoniada vi a história repetir-se. O fim dos partidos, a ordem estabelecida por um iluminado a suspender a democracia para meter as contas na ordem... A minha cabeça começou a andar à roda da nora. Burra. E sempre que voltava à direita e à esquerda só via Medina Carreira.
Foi assim que entrei num filme de terror. E os olhos do professor quase cerrados, lábios finos e vincados, presságio de desgraça colectiva, gritava-me no sonho "suas bestas", "corruptos", "este país acabou", "o mundo acabou", "não há solução para nada". Vi-me esfarrapada no juízo final com medo de dizer que era portuguesa. Mesmo assim, aflita, ainda tive tempo de fazer uma última pergunta antes do adeus.
"Será que o Professor poderia explicar como é que as grandes fortunas fogem ao fisco? Não é que eu seja dessa estirpe mas tenho uma curiosidade mórbida de mulher. Que conselho me daria se eu fosse muito, muito, rica?», questionei.
É neste preciso momento que deixo de ouvir a voz do professor. Uma nuvem pairou sobre a sua cabeça, crescendo e envolvendo-o num manto celestial.
Só que nos sonhos tudo é possível. De repente, saltei de um espaço para outro. Era actriz no filme "Um dia de cada vez" de Mike Leign.
Vi-me na pele de Poppy, a professora primária de espírito livre, divertida e anárquica, concentrada e responsável, com sentido de humor. Mas logo acordei desesperada quando, tal como a protagonista, inicio as aulas de condução.
Não é que o professor Medina Carreira era o mal disposto do meu instrutor?
Que pena na Madeira não haver aulas de flamenco.
Etiquetas: crise, Medina Carreira, Portugal
A Castro
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