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2009-11-20

 

A Consciência de um Liberal


Várias vezes (aqui ou aqui, p.ex.) tenho defendido taxas progressivas de IRS como um, entre outros meios, necessários a uma mais justa redistribuição da riqueza entre nós. Mas deparo frequentemente com argumentos como o da fuga de capitais, o de que contraria o desenvolvimento económico, o de que a riqueza distribui-se e redistribui-se naturalmente com o funcionamento do mercado, etc.

De modo a leitura do livro de Paul Kugman (Nobel da Economia em 2008) publicado em Portugal em 2009 pela Editorial Presença, me pareça ser muito importante para aqueles que queiram uma mais justa distribuição da riqueza mas receiam o poder sobrenatural dos fétiches neoliberais.
The Conscience of a liberal, publicado em 2007, nos EUA, é uma obra de divulgação notável que oferece muitos e muito úteis ensinamentos no actual momento, tidas em conta, naturalmente, as diferentes circunstâncias.

Paul Krugman (PK) conduz-nos numa breve visita guiada à história económica, social e política dos EUA, do inicio do século XX ao estertor da era W.Bush. E desfaz com substantivo fundamento muitos dos mitos neoliberais que hoje ainda, solertes, nos querem impingir mesmo depois da actual Grande Crise, por tais políticas provocada.
As conclusões são tanto mais susceptíveis de impressionar quanto não vem de um radical esquerdista mas de um cientista escrupuloso, um keinesiano a quem a injustiça social repugna e a combate na sua actividade científica e de publicista.

PK divide a história da América que vai de 1900 aos nossos dias, em 3 épocas. Grosso modo as 3 primeiras décadas deste período representam a “Época Dourada”, de profunda desigualdade social. As quatro décadas seguintes (1930 - 1970), representam a época da "compressão", ou da redistribuição da riqueza e a seguir, de forma mais clara a partir dos anos 80 e de Reagan o período até W. Bush, representa a nova época dourada, das grandes desigualdades e injustiça social.
A época da " compressão" - de acordo com as teorias dos neo-liberais e do "deixem o mercado funcionar" deveria ter sido uma época de recessão e de crise. Mas, como dizem os franceses a realidade é "têtue" (teimosa) - e de acordo com PK - o período da "compressão" foi de uma prosperidade sem precedentes, e que nunca mais conseguimos recuperar". E porque deveria ser de crise? Porque segundo os neoliberais, se tinha metido a política na economia, criado mais Estado a perturbar o mercado cujo livre funcionamento é sinónimo de prosperidade e crescimento.

Com as novas condições políticas surgidas nos anos 80, Reagan, a reacção ascendente e os neo-cons conseguiram baixar muito os impostos aos ricos, desmantelar o Estado Social que vinha do New Deal, etc. No auge da sua glória... a grande crise que hoje abala o mundo e cai sobre nós veio desmenti-los. Mas não derrotá-los porque eles continuam aí e na maior parte dos centros de poder.

Eis o que diz PK: a "época dourada" da sociedade norte-americana, as três primeiras décadas do séc XX, caracterizava-se por uma desigualdade social brutal que extremou o povo norte americano entre uma esmagadora maioria de pobres e miseráveis e uma reduzidíssima minoria com fortunas fabulosas. A grande depressão de 1929, e mais tarde a 2ª Guerra Mundial entre outros factores, contribuiram para uma viragem política para a esquerda consubstanciada nas quatro vitórias eleitorais para a presidência de Franklin Delano Roosevelt - FDR - (1933-1944) candidato pelo Partido Democrata.
FDR diminuiu de forma drástica as abissais desigualdades, criou o primeiro Estado Social nos Estados Unidos e redistribuiu a riqueza nacional a golpes de IRS, de imposto sucessório, de imposto empresarial.
Eu que aqui no Puxapalavra tenho contra os actuais 42% de taxa máxima de IRS advogado taxas "escandinavas" (57%) de IRS contra os rendimentos escandalosamente altos, pasmo com a ousadia das taxas roosevelltianas. A taxa máxima do IRS - diz PK (pág. 59) - nos anos 20, nos EUA, era de 24% e o imposto sucessório de 20%. Roosevelt terá concluido que para tirar a grande maioria da população da pobreza, com ela criando a classe média americana, para criar os fundamentos de um Estado Social, segurança social, saúde, subsídio de desemprego (tudo ainda longe do que já havia na Europa) tinha de ir buscar o dinheiro a algum lado e que não poderia ser a pedir licença aos 1% de multibilionários. Para redistribuir a riqueza Roosevelt apoiado num conjunto de circunstâncias político-sociais favoráveis, não impôs taxas "escandinavas" às fortunas douradas. No seu 1º mandato (1933-37) impôs taxas de IRS até ao máximo de 63% às grandes fortunas e no 2º mandato até aos 79% !
"A taxa federal média sobre os lucros empresariais passou de menos de 14% em 1929 para mais de 45% em 1955". "E o imposto sucessório máximo subiu de 20% para 45%, depois para 60%, a seguir para 70% e finalmente para 77%.
0,1% dos americanos mais afortunados que detinha 20% de toda a riqueza da nação em 1929, possuia “apenas” 10% dela em 1955.
A revolução "igualizadora", de esquerda, do New Deal, aguentou-se durante ainda 30 anos, após a morte de Roosevelt em 1944.
FDR tornou-se, justamente, o mais odiado dos presidente americanos aos olhos dos plutocratas da "Época Dourada" e, não por acaso, um dos mais amados presidentes dos pobres, dos negros, dos imigrantes, dos trabalhadores e da classe média criada pelo New Deal.
A História encarregou-se também de desmentir a tese neoliberal que sustenta que mais Estado é igual a mais corrupção. O período do New Deal que se foi mantendo para além da morte de FDR foi o período de maior transparência e menor corrupção. Não por obra e graça do Espírito Santo mas porque o Governo de Roosevelt para se defender de uma oposição aguerrida tomou medidas severíssimas contra a corrupção.

Uma lição também muito actual.
_________
P.S.: Faltou agradecer ao JMCP que teve a boa ideia de me recomendar a leitura deste Krugman. Já o seu Regresso da Economia da Depressão e a Crise Actual também publicado pela Presença em Portugal em 2009 me deixara bem impressionado.

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Comments:
Excelente e actualíssimo 'post'.

(copiado para o http://Luminária.blogs.sapo.pt
21.112009)
 
Excelente e actualíssimo sobretudo para quem quer embalar a malta nas milongas cor-de-rosa.
A política fiscal é mais abrangente, não é?
Que cómodo falar do IRS sem falar do IRC. Não é por ir às cavaleiras de um nobel que a coisa fica menos manca e feia.
Luminária para Luminária.

A. Teixeira
 
Apesar de o post ser muito grande a informação tem muito interesse. Acho que o A. Teixeira não leu bem. Diz que não se fala do IRC mas diz-se que ele subiu de 14% até aos 45% e refere-se também o imposto sucessório que foi subindo dos 20% até aos 70% nos casos máximos. Milongas cor-de-rosa? Se calhar uma coisa à maotzétung ou à Staline é que estava bem não? Tenha calma.
Alfredo
 
Olhe lá ó dótor Alfredo, o que é que esta pantera cor-de-rosa propõe para o IRC português?
Está a meter algum susto ao Teixeira dos Santos?
Vossa Mercê, como comentador padece de duas desvantagens. Primeiro não consegue descolar do pesadelo cor-de-rosa e depois atira com o Mao e Zé Staline para cima de quem chega como se a sua imaginação ofensiva sofresse da sindrome do esqueleto cunhalista no armário.

A. Teixeira
 
Como viste, as conclusões a que Paul Krugman vai chegando ao longo do livro são sempre baseadas em dados empíritos resultantes de estudos de toda a ordem cujos resultados não deixam lugar a dúvidas.
Como também não deixa lugar a dúvidas a razão da altíssima remuneração dos executivos, que nada tem a ver com as inovações tecnológicas, nem com o comércio internacional, logo com a oferta e a procura, mas com a política e alteração interna da lógica de funcionamento das instituições. E o mesmo se poderia dizer da distribuição da carga fiscal e o crescimento económico...É por essas e por outras que a minha consideração pela generalidade dos nossos economistas é nula - eles actuam sempre como ideólogos do capital. A ciência para eles bem pode ser uma batata desde que dê muito lucro e garanta uma muito desigual distribuição do rendimento.
JMCPinto
 
Também já li esse livro do Krugman e leio com frequência artigos seus. Ele desfaz uma série de mentiras muito convenientes àqueles que levaram o mundo à actual crise e que uma quantidade de papagaios nacionais repetem.
Muito oportuno o post. Parabéns.
C Meira
 
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