2009-11-30
Ler e Entender (5)
Chama-se a isto [post de Mário Lino intitulado "Lido e Entendido (único)"] um bom conversador a resvalar para o laconismo. Um poste que se quer "Único" poderia querer significar "fim de papo" ou "não me chateies mais que não estou para isto". Porém, habituado que estou a não me deixar emocionar com estes efeitos arrojados, passo ao lado para reparar que, como de costume, Mário Lino, em matéria política não respondeu às grandes questões colocadas. Não é obrigado a fazê-lo - olha quem! - mas, na prática, tendo-se exposto largamente na entrevista ao Weekend Económico, limita-se agora a justificar a sua opção pelo prolongamento do contrato no caso dos "Contentores de Alcântara". Todas as outras questões políticas ficaram no tinteiro como se dizia no tempo em que lá molhávamos as nossas penas.
Pronto. Isto é mesmo assim: cada um é como cada qual.
O que é que me fica a sobrar da leitura do poste "único" de Mário Lino?
Duas coisas.
Uma insinuação e um desvio semântico.
Vamos ao desvio semântico que me parece mais prático. O substantivo "autor" que Mário Lino utiliza na entrevista que comentei, diz respeito não apenas aos bloggers postadores da equipa do Puxa-Palavra, mas a tutti quanti, de fora e de dentro, passantes ocasionais e até provocadores de todos os quadrantes. Chama-se a isto português forte, abarcante e inclusivo. Saberei doravante que quando Mário Lino se referir a "autores de blogues" se está a referir também aos comentadores que vão deixando pérolas de valor variável nas respectivas caixas de comentários. É uma espécie de manifesto apregoando que "Autores somos nós todos, ou ainda menos..." dobrando o sentido da língua pátria até onde se pretende. Mário Lino dixit.
Quanto à insinuação, devo recordar que muitas vezes, pior do que se pertencer a uma federação de tribos é não pertencer a tribo nenhuma, temporária ou definitivamente. De passagem, Mário Lino deixa-me esta simpática homenagem no seu texto:
" (...) na verdade, nem sei do que ele está próximo, tal é a diversidade e heterogeneidade das posições políticas e ideológicas que, normalmente, defende, o que está no seu pleno direito e donde, evidentemente, não vem nenhum mal ao Mundo."
Passo por cima da diversidade (o que é diverso é rico e não exclui a possibilidade de ter lógica interna) e centro-me na "heterogeneidade de posições políticas e ideológicas". A isto se chama na linguagem futebolística da minha juventude, uma sarrafada. É o homem que escreve a tirar desforço do homem sobre quem escreve. É falta. É batota.
Entre a deriva ideológica da direcção do PS e a tendência para disfarçar as incongruências e dificuldades do XVII Governo Constitucional, vem o Mário Lino insinuar que é à minha pessoa que devem ser assacadas acusações de heterogeneidade política e, pasme-se!, ideológica, até!
Se o Mário Lino for capaz de dar algum exemplo da minha deriva política ou ideológica, fico-lhe grato.
Se não, fica-se a saber que se tratou apenas de uma valente sarrafada, num desafio "único" de que Mário Lino se quis tornar, ao mesmo tempo, jogador e juíz de partida.
Se assim for, fica para mim aprendido que em tais jogos discursivos, de futuro, as caneleiras são indispensáveis.
Ler e Entender (4)
A génese e o resultado do recente referendo suiço acerca da admissibilidade da construção de mais minaretes, vem demonstrar uma vez mais que, em matéria de direitos e medidas antidiscriminatórias, não se deve perguntar a todos (o eleitorado suíço) se devemos abrir uma excepção para alguns (impedimento de construir templos muçulmanos) sobre o que a consensualidade civilizacional já reconhece (o direito de culto).
Com este tipo de arroubos formalistas tem-se muitas vezes encorajado todo o tipo de discriminações, iniciado ou acelerado guerras religiosas, incrementando discriminações étnicas.
Começa-se por impedir a construção de mais templos, como quem diz: vocês já têm quatro minaretes em território suíço e isso basta!
Mas nós (que somos cada vez mais a trabalhar na Suíça) necessitamos de ainda mais templos para o nosso culto.
Paciência. Vão ter de se haver com os que já têm.
Só há um fundamentalismo pior do que os fundamentalismos que criticamos.
O nosso.
2009-11-29
Lido e entendido (único)
Manuel Correia resolveu presentear-me com três “posts” em que comenta a minha entrevista ao Diário Económico de sábado passado e recomenda a sua leitura. Com uma fotografia minha, uma fotomontagem em que sou visado e cópia da 1ª página do Diário Económico. Estou desvanecido.
Com amizade, quero retribuir com um breve (e único) comentário, com alguns esclarecimentos, a que também acrescento a sua foto. Está um pouco escondido atrás da chávena, mas é a única foto de que disponho, neste momento.
Primeiro, para dizer que a minha referência aos autores do nosso Blog não se circunscreve aos membros da equipa do PUXAPALAVRA, mas a todos os autores de textos, incluindo os que fazem comentários aos “posts” publicados pelos membros da equipa. Mais, não incluo o Manuel Correia nos autores próximos do PCP: na verdade, nem sei do que ele está próximo, tal é a diversidade e heterogeneidade das posições políticas e ideológicas que, normalmente, defende, o que está no seu pleno direito e donde, evidentemente, não vem nenhum mal ao Mundo.
Segundo, para dizer que, no que se refere ao Terminal de Contentores de Alcântara, foram apresentados e estão publicados os estudos, feitos por entidades credíveis e independentes, que sustentam que a prorrogação do Contrato de Concessão então existente é a solução mais vantajosa para o País. Nunca vi publicados nem conheço estudos que sustentem outras opções. Como julgo ser compreensível, não me podem exigir que opte por soluções que, em consciência, considero ser piores para o País. Terão que ser outros a assumir essa responsabilidade.
Para a correcta utilização dos dinheiros públicos deve-se recorrer, como é evidente, às formas que, para o efeito, estão previstas na leis portuguesas e da UE, e que são também seguidas em muitos outros países que têm idênticas preocupações. Aliás, como é referido no relatório da auditoria do Tribunal de Contas, «…(a) opção pela prorrogação do prazo da concessão (corresponde) a uma solução baseada no tradicional mecanismo do reequilíbrio financeiro, de prática, aliás, comum e generalizada nas concessões em Portugal…».
Também não é, certamente, por acaso, que esta foi a solução recentemente adoptada para resolver problemas semelhantes em portos como, por exemplo, Barcelona, Hamburgo, Malta e Buenos Aires.
Ainda sobre esta questão, e no que se refere à solução adoptada, é de referir que o Ministério Público, depois de analisar o já citado relatório da auditoria do Tribunal de Contas, concluiu que «Por não se evidenciarem infracções ou irregularidades financeiras ou outras que importe conhecer, no âmbito das atribuições deste Tribunal, entendeu o MP não desencadear qualquer procedimento jurisdicional».
Terceiro, para dizer que o Manuel Correia omite, não sei se por distracção, o que eu disse preservar do tempo da minha militância comunista. Como afirmei e está claramente escrito na entrevista, não mudei nada em relação ao que são os grandes princípios e valores que sempre defendi. O que acho é que a forma como defendia esses grandes princípios e valores, através de uma organização política como o PCP, se revelou muito insatisfatória, não obstante haver muitos traços do funcionamento do PCP, como os que indiquei e o Manuel Correia refere, que mantenho na minha forma de actuação.
Momento Político!
Katherine Lutz e
Angela Merkcs, duas miudas de 40 anos, antigas colegas de universidade da RDA e que há muito se não viam encontraram-se, por mero acaso, no ginásio em Berlim. Decidiram então associar-se aos festejos que percorriam a cidade para comemorar a queda do Muro:
Katherine: Lembras-te... ? O que nos diziam do Socialismo era tudo mentira!
Angela: É verdade, fomos enganadas. Mas o pior...
Katherine - ?
Angela: O pior é que tudo o que nos diziam do capitalismo é verdade.
De Fora e de Dentro (1)
"Quer o presidente do Supremo, quer o procurador-geral da República não cumpriram, até hoje, um preceito constitucional que tem muita importância: o artigo 48.º da Constituição. É chamado "Participação na Vida Pública" e, no qual, depois de se dizer no n.º 1 "Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida pública", o n.º 2 acrescenta: "Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre os actos do Estado e de mais entidades públicas." Ora, esta situação não foi cumprida pelas duas mais altas instâncias do sistema de justiça. Ainda vão a tempo de dar explicação cabal à opinião pública sobre o que fizeram e porque fizeram sem terem de violar o segredo de justiça. Podem perfeitamente explicar tudo o que não implique violar o segredo de justiça."
Ler e Entender (3)
Voltemos à entrevista de Mário Lino ao Weekend Económico para acrescentar meia dúzia de comentários que faltam.
Aqui no PUXA, não muito diferentemente das suas outras intervenções públicas, Mário Lino prima pela frontalidade, com um à-vontade notável na comunicação, uma informalidade humanizadora que o tornam um interlocutor capaz de muita e boa conversa, apesar de estarmos advertidos de que na acção política não costuma alongar-se muito.
Por isso mesmo foi um dos ministros que mais se expôs, sem demasiadas reservas ou silêncios; sem evitar uma boa piada ou uma gargalhada genuínas, destoando um pouco dos punhos de renda cínicos e dos silêncios desdenhosos correntes entre os decisores políticos. Merece ser notada a naturalidade com que faz face às anedotas e dixotes que circulam a seu respeito - o ministro Jamé, o fugitivo da Ota - sem se mostrar agastado ou irritado.
Sem embargo de tudo o que anteriormente disse, saliente-se que José Sócrates perdeu um dos seus melhores ministros, enquanto o PUXAPALAVRA, em contrapartida, recuperou um dos seus melhores bloggers transviados.
A César o que é de César.
Ler e Entender (2)
A entrevista de Mário Lino no Weekend Económico - vidé anterior poste "Ler e Entender (1)" - evolui em dois territórios: o da identidade do entrevistado, com uma história de vida sumária que aponta raízes moçambicanas, o jovem estudante dividido entre as matemáticas gerais e a música, além da opção política que o levou a militar no PCP e, muitas atribulações e debates depois, a aderir ao PS onde veio a assumir diversas responsabilidades com destaque para o cargo de Ministro das Obras Públicas do 1º Governo de Maioria Absoluta do partido de Mário Soares agora liderado por José Sócrates.
O 2º território é o da governação com um balanço ligeiro e promocional das benfeitorias e malfeitorias, empolando as primeiras e esquecendo as segundas, como rezam os preceitos da propaganda antiga. As teorias mais recentes aconselham a que não se faça tábua rasa do que correu mal para não dar a ideia de incapacidade de enfrentamento dos insucessos. Mário Lino vai mais pela propaganda antiga. Quem o lê vê a história do Governo anterior descartada daqueles momentos emblemáticos em que os professores apinharam Lisboa com uma manifestação inesquecível ou em que populações, de norte a sul, se bateram contra o encerramento de centros de saúde e hospitais até que o seu brado se tornou insuportável e Correia de Campos ganhou um par de patins; e em que a composição final do governo, esquecida já a originalidade de uma figura como Freitas do Amaral ter tido incumbências de Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, perdera o colorido inicial, com as saídas de António Costa para a Câmara de Lisboa, a substituição em surdina da ministra da Cultura e as tolices de Manuel Pinho que tiveram o seu epitáfio na cena dos corninhos em sessão parlamentar. Durante esse período, o MOPTC também deu que falar e não se tratou apenas do episódio da passagem do aeroporto da Ota para Alcochete.
A entrevistadora foi de uma urbanidade e permissividade a toda a prova. Mário Lino ligou os dois territórios (o da identidade e o do desempenho ministerial) centrando o elogio no 1º Ministro, enfatizando um argumento político derivado do culto da personalidade: "Sócrates é muito bom e suscita raiva nos adversários" a que só se poderia seguir uma avaliação da acção governativa condizente: o governo esteve bem, em geral, porque em particular nem vale a pena falar.
Voltando ao território da Identidade, sublinhe-se a ordem de valores que Mário Lino preserva da militância comunista (disciplina, honestidade e sentido da responsabilidade) inteiramente compatíveis com o desempenho de quaisquer funções. É algo que sempre me impressionou nas reivindicações públicas de alguns ex-comunistas. Neles permanece o que melhor se pode aproveitar no convento, no seminário ou numa academia militar. Entrega, disciplina, acatamento das consignas superiores. Quanto à base programática e ideológica, zero. Fica-se às vezes com a impressão que o mundo entretanto deu uma volta e a natureza do capitalismo se alterou. Socialistas de esquerda, bloquistas e comunistas teriam perdido por completo a razão quando apontam a fundamental imoralidade do desprezo pelos trabalhadores e pelo trabalho que parece ter feito escola nos últimos tempos. Sobre o capitalismo, nem uma palavra. Até parece que estamos cá todos, felizes e contentes, a gerir como nos mandam uma sociedade que não pode mudar.
Neste aspecto (o do esquecimento da injustiça e da imoralidade constituintes do capitalismo) prefiro Michael Moore e o seu "Capitalism: a love story". Sempre faz alguma coisa mais pela memória que os sociais-democratas de direita se esforçam por desvalorizar e apagar.
O mundo continua a ser algo mais do que um lugar em que as governações se sucedem.
Ler e Entender (1)
A entrevista de Mário Lino ao Weekend Económico, com grande destaque na capa (conforme ilustração em cima) merece aqui comentário por várias razões, não sendo uma das menores a que se prende com este blogue, no qual o entrevistado estava a escrever na altura em que os jornalistas lhe bateram à porta. Chuva lá fora, Stravinsky em fundo (a jornalista revela que o cd estava em modo repeat, mas não comete a inconfidência de nos dizer se sonata, se tango, se...), muita cordialidade, conversa afável e descontraída.
Em primeiro lugar ficamos a saber que no seu blogue há uns autores que estão "mais próximos do PCP" e outros que não. Imagino de quem está a falar, mas não supunha que eram tantos os autores do blogue a merecerem o rótulo de "próximos do PCP", provavelmente por estarem mais próximos da ala esquerda do PS. As classificações padecem quase sempre destas imprecisões, venha o blogger mais rigoroso que atire a primeira pedra.
Ficamos a saber que Mário Lino põe as mãos no lume por José Sócrates e que o acha pessoa de grande seriedade (feliz 1º Ministro que tais ministros teve), comparando-o ao Maradona que desorientava os oponentes por causa daquela forma "muito irritante" de fintar os adversários. São liberdades de estilo. Oxalá Sócrates não tenha de passar pelas mesmas agruras por que Maradona passou. Aliás a regra dos 10% para planificação e 90% para realização, que irmana o entrevistado a José Sócrates, ajuda a compreender a sua reincidência em matéria de concursos públicos. Visando ainda o caso dos Contentores de Alcântara, Mário Lino reflecte em voz alta:
Se eu tenho um concessionário que já cá está, que conhece aquela zona, tem lá o equipamento, e eu preciso de ampliar aquilo, o mais fácil é negociar com aquele, discutimos, chegamos a acordo...
Como se vê, seria difícil ficar mais longe do espírito concursal que é norma no uso dos dinheiros públicos. Há até quem ache inconstitucionais os actos que decorrem desta postura, mas Mário Lino, com a obstinação do costume, já passou com certeza para a fase dos 90%.
Talvez tenha faltado da parte dos entrevistadores uma pergunta que lhe desse a oportunidade de reflectir sobre eventuais erros que terá cometido e aspectos da governação menos bem conseguidos. Governar em maioria absoluta tem destas coisas: o balanço assemelha-se a uma ode triunfal, ao som de Stravinsky com a chuva a molhar Lisboa.
Além do mais, como aliás José Sócrates já oficializara, a única penitência permitida no balanço das políticas públicas do XVII Governo Constitucional é a da Cultura, onde se deveria ter investido mais.
Pois, pois...
A entrevista de Mário Lino tem evidentemente outros aspectos francamente interessantes.
Pelas razões que apontei e por outras a que virei, aconselho vivamente a sua leitura.
2009-11-28
Espreitar a Justiça
A. Moura Pinto no seu blog
O AZEREIRO oferece-nos uma
informação sobre o Acórdão Disciplinar publicado no Boletim Informativo III Série – nº2 – Outubro de 2009, do Conselho Superior de Magistratura que dá que pensar.
Não é uma informação que diminua os Juízes ou a magistratura (que bem precisa de apoio e prestígio, mas terá que trabalhar para isso) mas tão só para sabermos o que ela é. E o que serve para sabermos o que ela é? É sabermos o que faz e não o que diz de si. Ora julgamos saber que os Juízes são pessoas e não uns "ET" santificados por terem tirado um curso de direito e depois acedido àquelas funções. Há-os bons, maus e assim assim. Como em todas as profissões e magistérios. Se não houver uma rigorosa exigência dos órgãos que têm o dever de os observar, avaliar, promover ou sancionar e principalmente se não houver transparência no que fazem nas suas funções (não é no que dizem ao telefone ou no café, ou fazem no quarto ou no ginásio) que permita o adequado escrutínio público, como querem que não façamos um ar de comiseração quando se apresentam como "ungidos pela Graça" da isenção e acima do "pecado" dos humanos?
Estou a lembrar-me da áurea de isenção que rodeava o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque no programa Os Prós e os Contras na excitada defesa da posição que comprometesse Sócrates, na controvérsia sobre as escutas que intersectaram em conversas suas por telefone com Armando Vara. Nomeadamente porque até há pouco era Juiz e era dado de barato que assim sendo deveria conservar a “unção” da imparcialidade, de estar muito acima da natural dúvida que cerca um político ou militante partidário.
Agora menos de uma semana depois ficamos a saber que … é o número dois da lista do PSD concorrente à distrital de Lisboa. Teria sido muito mais prestigiante para si se ali tivesse feito a sua declaração de interesses. Então sim ganharia, estou certo, um generalizado apreço e prestígio. Até porque os políticos e militantes partidários não estão diminuídos no seu carácter e inteligência e podem ser isentos e justos nas suas valorações.
__________
Com a fotografia mudei o Título.
2009-11-27
Não é a corrupção stupid! É o Governo
A Quadratura do Círculo discutiu ontem o tema que mais galvaniza a comunicação social e os partidos da oposição. A corrupção? Não. A miragem de alijar o Governo. Se fosse a corrupção então seria de esperar que o caso dos submarinos e o do BPN que envolvem valores dez, cem, ou mil vezes maiores do que os da sucata tivessem na actividade partidária e no mundo dos blogs uma repercussão proporcional.
Então o que provoca todo o actual alvoroço político nacional em torno do caso da Face Oculta? A corrupção? Não. Sócrates. A oportunidade de enfraquecer o Governo e no limite, ainda que longínquo, o derrubar. Se bem gerida a coisa haveria que ir cozendo o 1º M em lume brando até que o PSD arrume a casa, substitua a incompetente equipa de Manuela Ferreira Leite e o seu infeliz ideólogo Pacheco Pereira, melhore a articulação com o desajeitado e agora promovido assessor de Belém, Fernando Lima e assim criadas as condições o poder possa cair no regaço da direita pura e dura.
Conspiração? Não sou dado a ver as coisas que acontecem ao mundo, a Portugal ou à minha rua sob o prisma das conspirações ainda que todos saibamos que as há e que ajudem. Surgiu obviamente uma boa oportunidade. Uma investigação em curso. Há escutas. O 1ºM é interceptado em conversas privadas com um dos arguidos. Alguém da Justiça passa "inocentemente", as escutas, apimentadas ou não, aos media. Estes fazem o seu trabalho. Vivem disso.
Um ou dois magistrados de 1ª instância acham que há indícios que incriminam o 1º M? Óptimo. Fanfarra. Foguetes. Arraial. Os órgãos de Justiça competentes, PGR e Presidente STJ acham que não há indícios que atinjam o 1º M e encerram o assunto? A oposição de direita e a de esquerda, ainda que com nuances, e os zangados ou enraivecidos por isto ou aquilo com o PS e com Sócrates, aqui-del-rei que há batota e que a festa e o foguetório não podem parar com tão pouco.
E se não for possível dar a volta no plano judiciário então que se passe a centrar no carácter, na vida privada dos políticos, os combates que não se conseguem ganhar no plano político.
O 1º M que se explique, diga o que disse ou o que não disse ao telefone, como e porquê. Colabore no seu linchamento. E porque não uma auto-crítica pública, estilo revolução cultural maoista? Ou então aproveitar os excelentes ensinamentos neo-cons. Reagan, W. Bush e as seitas religiosas oferecem uma alternativa e um manancial de excelentes ideias.
É o judicialismo. Com alguns sindicalistas da Justiça na linha da frente.
Não é o que se passou em Itália mas corre-se o risco de para lá se caminhar. Ali, o ataque aos corruptos serviu para institucionalizar… a corrupção e ter à frente do país Il Cavaliere Berlusconi.
Nesta procissão vão entusiasmados todos. Os que com a boleia da luta contra a corrupção montaram a festa e esperam recolher os frutos e os que, mal avisados por radicalismos e ódios de estimação, carregam os foguetes e pagarão a despesa.
Etiquetas: Corrupção, Escutas, Face Oculta, Judicialismo
Julgamentos na praça pública
Historic photo of Rosewood massacre survivor Robie A. Mortin,
as she helps unveil the Rosewood historical marker at a dedication May 4, 2004.
Photo courtesy, RosewoodFlorida.com
Há alguns dias vi, num dos canais da TV, um filme americano muito interessante, realizado em 1997 por John Singleton e cujo título em português é “Rosehood - O Massacre”. O filme baseia-se em factos verídicos que, resumidamente, descrevo a seguir.
No início de 1923, na Flórida, a comunidade negra de Rosewood é atacada, queimada e tem parte da população morta por brancos de uma cidade vizinha. Tudo isto pelas falsas alegações de uma mulher branca que foi espancada pelo amante, também branco, mas teve medo de contar ao marido e achou mais "conveniente" dizer que tinha sido atacada por um negro. Numa primeira reacção, vários brancos apontam, de imediato, um jovem negro como o culpado e pretendem julgá-lo sumariamente na praça pública e enforcá-lo. Entre estes acusadores está, evidentemente, o verdadeiro agressor. O xerife, branco, tem dúvidas quando à veracidade dos factos, e pretende fazer um julgamento a sério. Mas isso não interessa aos brancos que estão mais interessados em dar vazão ao seu enorme preconceito racial. Esta lógica impõe-se e, daí, resulta o massacre. Anos mais tarde, o Estado Americano reconhece oficialmente a verdade e indemniza as famílias das vítimas. Mas o erro estava feito e a tragédia consumada, sem remédio.
Não sei quantos de vocês viram este filme, mas esta temática tem sido abordada em vários filmes realizados e em vários livros publicados.
Pela minha parte, abomino os julgamentos na praça pública e as razões de preconceito que lhes estão por trás. Mas também sei que, muitas vezes, estes julgamentos são instigados pelos verdadeiros criminosos que, instrumentalizando os que estão sempre disponíveis para dar vazão aos seus preconceitos, se pretendem pôr a salvo dos seus crimes. Por isso, olho sempre com muita atenção e desconfiança para os instigadores dos julgamentos na praça pública.
2009-11-26
Ouvir e Escutar (5)
Vem agora o presidente da ASJP (Associação Sindical dos Juízes Portugueses), em editorial do boletim daquela associação, exigir a
Por outro lado, abrindo outra caixinha das surpresas, veio a público que um vogal do Conselho Superior de Magistratura é ao mesmo tempo advogado de defesa de José Penedos, Presidente da REN e arguido no processo Face Oculta.
É estranho, não é?
Até se poderia dar o caso deste nobre causídico poder exercer legalmente e em simultâneo as duas funções. Tal não obstaria a que muitos de nós pudéssemos considerar politicamente indecente que um dos membros do órgão que se pronuncia sobre aspectos do desempenho dos magistrados judiciais, defenda de manhã o interesse público da justiça da República, e de tarde o interesse privado de um arguido de um dos casos mais intrincados dos últimos tempos.
Como se vê, o princípio da legalidade pode ser necessário, mas nunca foi suficiente para travar a corrupção ou entender os malabarismos jurisdicionais.
Nem sempre o cumprimento das formalidades e o respeito das hierarquias esclarecem e convencem.
Às vezes é preciso um pouco mais...
2009-11-24
Ouvir e Escutar (4)
Arrasta-se a questão das escutas em que José Sócrates foi interceptado por estar a falar com Armando Vara e este último estar sob escuta no âmbito das investigações do processo Face Oculta que decorre sob os auspícios do Tribunal de Aveiro. Para uns a questão está resolvida. O PGR arquivou; o STJ anulou. Nem um nem outro viram nas certidões tiradas do outro processo quaisquer indícios suficientes de atentado contra o Estado de Direito. Ponto final parágrafo.
Outros porém não se conformam com a disparidade gritante entre o entendimento dos dois magistrados de Aveiro que ao ouvirem as escutas ficaram com os cabelos em pé, mandaram tirar certidões e remeteram-nas para o PGR, e a interpretação de Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento. Pensam que é estranho uns terem visto tanto e tão grado e os outros não terem visto redondamente nada no mesmo material.
De facto é muito estranho.
Das duas uma: ou os dois magistrados estão a efabular e devem ser chamados urgentemente a uma reciclagem séria, ou Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento estão a fazer vista grossa.
Em qualquer dos casos, impõe-se um esclarecimento.
Ouvir e Escutar (3)
Fazem-se já apostas acerca da inevitabilidade de um aumento sensível da carga fiscal sobre os portugueses. O aumento do défice não deixaria margem de manobra ao actual executivo. No entanto o 1º Ministro José Sócrates foi taxativo ao referir-se publicamente ao assunto:
A lógica da sua argumentação é irrepreensível e conforma-se em absoluto com as promessas eleitorais feitas pelo PS na última campanha para as legislativas.
Apesar da incredulidade de muitos economistas, sobretudo após as últimas declarações de Vítor Constâncio, a verdade é que desta vez José Sócrates não poderá alegar que não conhecia bem a situação existente.
Vejamos o que isso vale.
2009-11-23
A Face Oculta em Pasárgada
Andei para
ali a
postar o que de mais relevante li pela outra blogosfera (a dos jornais ) sobre as escutas, o segredo de Justiça e a
Face Oculta exposta pelos media de acordo com as agendas políticas de cada emissor e que alguns utentes (ou todos?), escolhem de acordo com o que lhes dita o coração (e em parte a razão). Estava eu postando ali - como disse - o que escreveram alguns dos mais conceituados especialistas da matéria Costa Andrade ou
José Manuel Correia Pinto (além de outras sumidades) quando esbarrei com
Pasárgada no texto daquele ilustre prof de Direito Penal. Na primeira travagem deixei passar mas à segunda disse comigo desta não te safas. E aí mais abaixo poderão saborear o resultado.
Mas não vo-la mostrarei sem antes dizer que ter esbarrado em Pasárgada não o devo aos estudos facultados pela universidade mas à actividade cultural da Associação de Estudantes do IST, importantíssimo complemento (anos 60) à formação cultural e cívica que uma parte dos estudantes do IST, por uma razão ou outra, talvez por igorância, desperdiçava. Era um outro mundo o dos associativos. E esteve na origem da formação de muitos dos futuros cidadãos mais ilustres do país. Organização de exposições de artes plásticas, concursos de poesia, sessões de música erudita, cineclube, desporto, auto-governo, política e mais política.
Foi numa exposição de poesia organizada pelo meu amigo Rui Martins, na AEIST, que descobri
Manuel Bandeira.
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.
Manuel Bandeira
Etiquetas: Costa Andrade Escutas Face Oculta Pasárgada Manuel Bandeira
2009-11-22
Notas Soltas (3)
O Rosendo disse-me que acordou alagado em suor, vergastado pela memória de um pesadelo político. Paulo Penedos, que estaciona agora nas reportagens do tribunal de Aveiro atrás de Ricardo Sá Fernandes, sóbrio e evasivo, tinha ganho as eleições para secretário-geral do PS nos idos de 2002. Como se o calendário político se tivesse petrificado no fim do guterrismo e Paulo Penedos, tendo ganho a corrida contra Ferro Rodrigues, fosse (no pesadelo do Rosendo) actual líder do PS e 1º Ministro do Governo em exercício.
Ó Rosendo, essa não lembrava nem ao diabo! Que raio!
O suplemento Economia do DN de 29/10/2009 dava [ver aqui] uma ideia geral do trajecto político de Paulo Penedos. Remeti o link para o Rosendo e tentei reconfortá-lo. Vá lá Rosendo. Acalma-te. A verdade é que Paulo Penedos perdeu quase todas as batalhas políticas em que se alistou, com excepção daquelas em que apoiou José Sócrates e, claro, a da entronização na Confraria da Chanfana, em Vila Nova de Poiares.
Pois é pá, - condescendeu o Rosendo já mais sossegado.
Olha se ele tivesse ganho ao Ferro Rodrigues!?
Felizmente, temos o José Sócrates!
Uuufffffaaaa!
Estive quase para responder ao Rosendo. Mas hesitei...
Pronto, não lhe digo mais nada por hoje.
Depois de um pesadelo destes, aquilo de que um amigo precisa mesmo é de alguma paz e serenidade.
2009-11-21
Notas Soltas (2)
Pacheco Pereira está definitivamente mal no PSD. Não quer admiti-lo, é certo, mas olhando para as últimas iniciativas do PSD, o seu líder parlamentar ignora-o ou olha-o de soslaio, conforme as circunstâncias.
Vê por certo com alguma amargura que o PSD está a entregar ao PS as suas armas "diferenciadoras" em nome de uma nova arquitectura de estabilidade governativa de conveniência. Em troca, o eleitorado recebe uma mensagem clara: o PSD não se importa de ir ao arrepio das suas promessas eleitorais. Prometera assegurar a suspensão do famigerado modelo de avaliação dos professores, mas, na primeira oportunidade faltou clamorosamente à promessa.
A liderança de Manuela Ferreira Leite, além do fiasco eleitoral, atira de pantanas com a credibilidade que já rareava.
Quanto à proposta de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito à promiscuidade entre as Empresas Públicas, altos quadros da administração e responsáveis políticos, Manuela & Aguiar olharam-no de esguelha e fingiram que não era nada com eles.
Afinal, não é apenas o PS que se parece muito com o PSD.
O PSD também se esforça bastante para se parecer cada vez mais com o PS.
Uma escola pública mais qualificada
A ex-Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues tomou um conjunto muito vasto de medidas de que resultou uma qualificação muito significativa do nosso sistema educativo.
Por exemplo, o serviço público de educação foi substancialmente aumentado e melhorado, nomeadamente:
- A colocação de docentes passou a ser plurianual, favorecendo a estabilidade do corpo docente e a qualidade do ensino;
- Em todo o ensino básico e secundário, foram garantidas aulas de substituição;
- Foi lançado o programa de modernização do parque escolar;
- Foi aumentada a rede de educação pré-escolar;
- Foi lançado o Plano Nacional de Leitura e o Plano de Acção para a Matemática;
- Foi reforçado o ensino artístico;
- Foi criado o Programa Novas Oportunidades, promovendo o regresso à escola dos que dela se haviam afastado pelas mais variadas razões;
- Foi dado um grande impulso ao ensino secundário profissional (91 mil alunos, triplicando o valor de 2005;
- Foi combatido o insucesso e o abandono escolar: baixou a taxa de insucesso (em 2007/2008, atingiram-se os valores mais baixos da última década); entre 2005 e 2008, a taxa de abandono precoce desceu de 39% para 36%;
- Foi promovida a generalização do uso das novas tecnologias: entrega de mais de 1 milhão de computadores com possibilidade de acesso à internet em banda larga a preços muito reduzidos, em muitos casos quase gratuitos, através do Programa e-escola, beneficiando professores, alunos e formandos do Programa Novas Oportunidades;
- Foi lançado o Plano Tecnológico da Educação nas escolas: redes intranet; computadores (310 mil); videoprojectores (25 mil); quadros interactivos (9 mil); cartões electrónicos; sistemas de videovigilância;
- Foi alargado e simplificado o acesso à acção social escolar (o número de beneficiários cresceu de 240 mil para mais de 700 mil);
- Foram garantidas, às famílias com menores rendimentos, refeições gratuitas para os seus filhos e o pagamento integral dos manuais escolares de aquisição obrigatória.
O 1º ciclo do ensino básico teve uma atenção particular:
- Foi concretizado o princípio da escola a tempo inteiro (até às 17h30m), com oferta de actividades de enriquecimento escolar;
- Foi generalizado o ensino do inglês, o estudo acompanhado, a música e a actividade desportiva;
- Foram encerradas 2200 escolas com poucos alunos e más condições que condenavam as crianças ao insucesso e foram lançados, em alternativa, novos centros escolares com bibliotecas, refeitórios e instalações desportivas;
- Foi generalizado o fornecimento de refeições escolares (passando de 30% para 94% das escolas).
E podem crer que estou longe de ser exaustivo.
Mas é também de realçar a contribuição dada para a introdução da avaliação do mérito dos professores, com consequências para a evolução na sua carreira, como sucede na generalidade das actividades profissionais, públicas e privadas. E como sucede com os alunos. Esta foi uma batalha muito difícil, mas hoje, poucos terão o descaramento de se opor a que tal avaliação se faça.
Hoje estamos um passo bem á frente do que estávamos no passado. Podemos discutir o modelo de avaliação. Podemos dissertar sobre a forma como o processo foi conduzido, e sobre isto haverá também muito a dizer. Mas espero que tenha acabado a progressão na carreira por mera antiguidade, sem considerar a avaliação de mérito. Para bem da escola pública, dos nossos filhos e do País.
2009-11-20
Jornalista sem medo
«Quando em Abril de 2009, num painel de debate da TVI24, disse que -
Fernanda Câncio aqui no DN - considerava não haver jornalismo de investigação no caso Freeport, mas notícias plantadas sob a forma de "informações" alegadamente (sublinhe-se o alegadamente) extraídas de um processo em segredo de justiça, estava bem consciente desse conflito de interesses e do risco que as minhas declarações implicavam, apesar de outros opinadores - caso de Ferreira Fernandes, neste jornal, utilizando a feliz expressão "milho aos pombos" e sublinhando serem os pombos "animais estúpidos" - terem dito o mesmo antes e depois.»
«Na SIC, no Expresso e no Correio da Manhã, as minhas opiniões tiveram direito a peças noticiosas. O destaque das três, porém, não foi a existência de jornalistas que criticam o jornalismo que se faz; foi a minha identificação como "namorada de José Sócrates". Considerando intolerável quer a devassa da minha vida íntima quer a redução da minha pessoa a sucursal de outra, apresentei queixa dos autores das peças ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e à instituição que legalmente tem a função de fiscalizar a deontologia da profissão, a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas.»
....
« A não ser, claro, que toda esta preocupação só diga respeito à minha pessoa e a CCPJ e o CD queiram, em concorrência com a chamada imprensa "do coração", conhecer, a par e passo, as vicissitudes da minha vida amorosa, mascarando esse voyeurismo com preocupações deontológicas. O que não é só sonso, deplorável, antiético e persecutório: é uma espécie de ilustração perfeita do infeliz estado a que chegou o jornalismo português. »
Ouvir e Escutar (2)
Já seguiram certidões para a FIFA e FPF para saber se Figo pode ser escutado sem autorização prévia das autoridades federativas.
A Consciência de um Liberal
Várias vezes (
aqui ou
aqui, p.ex.) tenho defendido taxas progressivas de IRS como um, entre outros meios, necessários a uma mais justa redistribuição da riqueza entre nós. Mas deparo frequentemente com argumentos como o da fuga de capitais, o de que contraria o desenvolvimento económico, o de que a riqueza distribui-se e redistribui-se naturalmente com o funcionamento do mercado, etc.
De modo a leitura do livro de
Paul Kugman (Nobel da Economia em 2008) publicado em Portugal em 2009 pela Editorial Presença, me pareça ser muito importante para aqueles que queiram uma mais justa distribuição da riqueza mas receiam o poder sobrenatural dos
fétiches neoliberais.
The Conscience of a liberal, publicado em 2007, nos EUA, é uma obra de divulgação notável que oferece muitos e muito úteis ensinamentos no actual momento, tidas em conta, naturalmente, as diferentes circunstâncias.
Paul Krugman (PK) conduz-nos numa breve visita guiada à história económica, social e política dos EUA, do inicio do século XX ao estertor da era W.Bush. E desfaz com substantivo fundamento muitos dos mitos neoliberais que hoje ainda, solertes, nos querem impingir mesmo depois da actual Grande Crise, por tais políticas provocada.
As conclusões são tanto mais susceptíveis de impressionar quanto não vem de um radical esquerdista mas de um cientista escrupuloso, um keinesiano a quem a injustiça social repugna e a combate na sua actividade científica e de publicista.
PK divide a história da América que vai de 1900 aos nossos dias, em 3 épocas. Grosso modo as 3 primeiras décadas deste período representam a “Época Dourada”, de profunda desigualdade social. As quatro décadas seguintes (1930 - 1970), representam a época da "compressão", ou da redistribuição da riqueza e a seguir, de forma mais clara a partir dos anos 80 e de Reagan o período até W. Bush, representa a nova época dourada, das grandes desigualdades e injustiça social.
A época da " compressão" - de acordo com as teorias dos neo-liberais e do "deixem o mercado funcionar" deveria ter sido uma época de recessão e de crise. Mas, como dizem os franceses a realidade é "têtue" (teimosa) - e de acordo com PK - o período da "compressão" foi de uma prosperidade sem precedentes, e que nunca mais conseguimos recuperar". E porque deveria ser de crise? Porque segundo os neoliberais, se tinha metido a política na economia, criado mais Estado a perturbar o mercado cujo livre funcionamento é sinónimo de prosperidade e crescimento.
Com as novas condições políticas surgidas nos anos 80, Reagan, a reacção ascendente e os neo-cons conseguiram baixar muito os impostos aos ricos, desmantelar o Estado Social que vinha do New Deal, etc. No auge da sua glória... a grande crise que hoje abala o mundo e cai sobre nós veio desmenti-los. Mas não derrotá-los porque eles continuam aí e na maior parte dos centros de poder.
Eis o que diz PK: a "época dourada" da sociedade norte-americana, as três primeiras décadas do séc XX, caracterizava-se por uma desigualdade social brutal que extremou o povo norte americano entre uma esmagadora maioria de pobres e miseráveis e uma reduzidíssima minoria com fortunas fabulosas. A grande depressão de 1929, e mais tarde a 2ª Guerra Mundial entre outros factores, contribuiram para uma viragem política para a esquerda consubstanciada nas quatro vitórias eleitorais para a presidência de
Franklin Delano Roosevelt - FDR - (1933-1944) candidato pelo Partido Democrata.
FDR diminuiu de forma drástica as abissais desigualdades, criou o primeiro Estado Social nos Estados Unidos e redistribuiu a riqueza nacional a golpes de IRS, de imposto sucessório, de imposto empresarial.
Eu que aqui no Puxapalavra tenho contra os actuais 42% de taxa máxima de IRS advogado taxas "escandinavas" (57%) de IRS contra os rendimentos escandalosamente altos, pasmo com a ousadia das taxas roosevelltianas. A taxa máxima do IRS - diz PK (pág. 59) - nos anos 20, nos EUA, era de 24% e o imposto sucessório de 20%. Roosevelt terá concluido que para tirar a grande maioria da população da pobreza, com ela criando a classe média americana, para criar os fundamentos de um Estado Social, segurança social, saúde, subsídio de desemprego (tudo ainda longe do que já havia na Europa) tinha de ir buscar o dinheiro a algum lado e que não poderia ser a pedir licença aos 1% de multibilionários. Para redistribuir a riqueza Roosevelt apoiado num conjunto de circunstâncias político-sociais favoráveis, não impôs taxas "escandinavas" às fortunas douradas. No seu 1º mandato (1933-37) impôs taxas de IRS até ao máximo de 63% às grandes fortunas e no 2º mandato até aos 79% !
"A taxa federal média sobre os lucros empresariais passou de menos de 14% em 1929 para mais de 45% em 1955". "E o imposto sucessório máximo subiu de 20% para 45%, depois para 60%, a seguir para 70% e finalmente para 77%.
0,1% dos americanos mais afortunados que detinha 20% de toda a riqueza da nação em 1929, possuia “apenas” 10% dela em 1955.
A revolução "igualizadora", de esquerda, do New Deal, aguentou-se durante ainda 30 anos, após a morte de Roosevelt em 1944.
FDR tornou-se, justamente, o mais odiado dos presidente americanos aos olhos dos plutocratas da "Época Dourada" e, não por acaso, um dos mais amados presidentes dos pobres, dos negros, dos imigrantes, dos trabalhadores e da classe média criada pelo New Deal.
A História encarregou-se também de desmentir a tese neoliberal que sustenta que mais Estado é igual a mais corrupção. O período do New Deal que se foi mantendo para além da morte de FDR foi o período de maior transparência e menor corrupção. Não por obra e graça do Espírito Santo mas porque o Governo de Roosevelt para se defender de uma oposição aguerrida tomou medidas severíssimas contra a corrupção.
Uma lição também muito actual.
_________
P.S.: Faltou agradecer ao
JMCP que teve a boa ideia de me recomendar a leitura deste Krugman. Já o seu
Regresso da Economia da Depressão e a Crise Actual também publicado pela Presença em Portugal em 2009 me deixara bem impressionado.
Etiquetas: New Deal, Paul Krugman, Roosevelt
2009-11-19
Notas Soltas (1)
Aí está uma boa medida do Governo.
Respondendo às ameaças veladas da banca e à inquietação justificada de muitos cidadãos, o Governo aprovou um Decreto-Lei que põe fim à indefinição.
Doravante, bancos ou comerciantes não poderão cobrar quaisquer taxas adicionais por pagamentos ou levantamentos através dos terminais multibanco.
2009-11-18
Ouvir e Escutar (1)
Muito provavelmente, aqueles que cerram fileiras contra mais uma campanha negra e se esforçam por justificar as reacções tribais de José Sócrates, Vieira da Silva, Santos Silva e Mário Soares, que não sabem se o 1º Ministro "pode" ser escutado; que acham que já se passou todas as marcas; que acusam os agentes da justiça de fazer "espionagem política" e que não acham curial desfazer dúvidas quando elas se amontoam a olhos vistos, vêem tonalidades ameaçadoras nesta discussão e apenas uma cambada de mausões que não vão com a cara dos líderes do PS.
É uma maneira patusca de colocar a questão. Tanto mais que a legitimidade que o PS readquiriu recentemente para governar não está em causa. O que está em causa é o dever cívico de não deixar de exigir clareza e rigor quando a confusão entre legitimidade para governar e a estranha convicção de que não se pode ser investigado, parece insinuar-se.
2009-11-17
Quem não quer ser sucata que não lhe vista a toga
diz A. Moura Pinto no AZEREIRO. Diz ele: ..."O desembargador Lemos lá vai adiantando que até já tinha ouvido falar das sucatas do Godinho e que conhecia mesmo o chefe da Repartição de Finanças que foi suspenso de funções, por também ter sido apanhado a sucatar. Por sua vez, os outros dois juízes preferem não se envolver nesta bronca."
Mas o melhor mesmo é ler tudo
aqui.Etiquetas: Azereiro, desembargador Lemos, Face Oculta
Já que não conseguimos nas urnas... e se tentássemos na secretaria?
A Justiça não funciona bem. Mas sem dúvida que é melhor para todos que haja regras e leis e que elas sejam respeitadas. Afinal pior que ter um Estado de direito imperfeito é não ter nenhum.
O segredo de justiça é uma dessas regras e funcionando como funciona, funciona mal. A quebra do segredo de justiça não é uma benesse dada ao "povo" pela livre comunicação social. O que se está a passar com a Face Oculta, como com o Freeport e outros casos, é em boa parte uma acção político/partidária que envolve políticos, magistrados e órgãos de comunicação social (e jornalistas) e que parasita o urgente, indispensável e intransigente combate à corrupção para, com fugas seleccionadas, de veracidade não escrutinável, tratar de outros "negócios" como é o de tentar ganhar na "secretaria" o que não se conseguiu ganhar em eleições. Isto é derrubar Sócrates. O que se tenta é minar a política não às claras e com as suas armas mas com uma tempestade de insidiosas e difusas acusações de carácter moral.
As "fugas das escutas" e as mortíferas campanhas de carácter têm um papel muito diferente da investigação jornalística séria que frequentemente leva a que se faça justiça e se descubram crimes que de outra forma ficariam sob o manto do segredo. Este tipo de campanhas negras à Fox News, salvo as devidas proporções, não são uma contribuição para a democracia. São a sua gangrena.
Sobre isto há leituras diferentes. A quem detesta Sócrates qualquer "fuga" de qualquer "escuta" lhe serve para o considerar um criminoso. Outros haverá que mesmo com provas provadas não as aceitariam. Prudente é esbracejar só depois de algo concreto. E até agora... nada.
Etiquetas: As escutas, campanhas negras.
Professor Marcelo: magistrados de Aveiro portam-se bem, os de Lisboa... não
Num momento zaping apanhei-o - estava na hora dele - explicava-nos o que vemos, vimos e cheiramos, mas... não entendemos sem a sua intermediação.
Dizia ele. Enquanto a investigação (da Face Oculta) esteve em Aveiro nada transpirou para a comunicação social. Mas quando chegou a Lisboa o segredo de justiça passou para os jornais. Os magistrados em Aveiro - concluia - portaram-se bem. "Zandinga" não quiz ser excessivo e deixou àquela porção mínima de inteligência que atribui aos seus telespectadores a conclusão óbvia sobre o comportamento dos magistrados em Lisboa.
Nesta altura sorri e fiz zaping ao professor, mas não sem antes lhe dizer - não sei se terá ouvido - "és muito esperto mas não caças ratos".
Ora é da mais elementar "esperteza" que quem esteja em Aveiro e não queira chamar a atenção sobre si espera que os CD's com as escutas ao 1º Ministro através das escutas ao Vara cheguem a Lisboa para as passar, com mais pimenta ou menos pimenta, aos media.
Portanto que quer o professor? Ecobrir os magistrados de Aveiro ou acusar os de Lisboa nomeadamente PGR e o presidente do Supremo?
Obviamente que chegarem as conversas escutadas aos media, fidedignas ou não, quando chegam a Lisboa, não diz nada sobre a origem da fuga. A não ser ao professor.
Não me pareceu que o assunto merecesse a importância de uma posta aqui neste respeitável blog. Mas ao passar por
aqui que remete para
este post verifiquei que o caso não passou despercebido a outros e... não resisti.
Revelações (4)
Quanto ao segredo de justiça, os magistrados e os jornalistas sabem que estão desde há muito a viver num ambiente mediático que sobrevive graças ao desprezo por quaisquer segredos. Quando Manuel Godinho consegue obter informação acerca de um acórdão que ainda não foi assinado, ou Fátima Felgueiras é avisada que vai ser emitido um mandato contra ela; quando o director da PJ avisa que vai à Universidade Tal na semana seguinte ou desaparece a cabeça de um cadáver no Instituto de Medicina Legal, o maralhal lê, toma conhecimento, e entreolha-se mordendo matreiramente o lábio inferior.
É a justiça a funcionar.
Se alguma vez se voltar a optar pela perseguição e punição dos mensageiros, então, meus dilectos amigos, ter-se-á fechado a porta à última esperança.
Só os poderosos ficarão a saber tudo e nós outros aquilo que não os comprometer demasiado.
Como dizia Pierre Bourdieu a propósito da "opinião pública" o segredo de justiça não existe.
Não passa de um entretenimento para camuflar uma justiça cada vez mais cara, pantanosa, hipócrita e inacessível à maioria dos cidadãos.
No fundo, todos sabemos que a condição prévia para tornar a justiça justa é recuperar um valor basilar da nossa vida comum. De tão simples que é, todos os dias nos doi ao ouvirmos e lermos as preocupações formalistas que vão enchendo os jornais.
Que valor é esse?
A decência.
Como não se pode ter tudo ao mesmo tempo, - pronto: comece-se por aí!